Nesta edição, temos a honra de receber Ruy Guerra, um dos maiores nomes do cinema brasileiro e latino-americano. O cineasta estará em Belo Horizonte nos dias 7 e 8 de junho, participando de sessões especiais e conversando com o público sobre sua trajetória, sua obra e os caminhos do cinema insurgente. Serão exibidos os filmes Os fuzis (1963), A queda (1978) e Mueda, Memória e Massacre (1979). Não perca essa oportunidade única de ouvir ao vivo uma das vozes mais potentes e inquietas do Cinema Novo. Ao lado do cineasta, teremos a presença do professor e pesquisador Mateus Araújo Silva (USP), que irá mediar as conversas com o público. Na sexta-feira, dia 6 de junho, teremos uma sessão especial de Os fuzis, na versão do diretor, acompanhada de comentários da professora e pesquisadora Cláudia Mesquita (UFMG).

Há artistas que atravessam os tempos como enigmas acesos, fagulhas que não se esgotam nem se decifram por inteiro. São presenças plutônicas, que ardem em silêncio, desafiando como brasas o sopro do esquecimento. Incandescências teimosas, iluminam a noite, acendem pavios, nos lembram que a arte, quando verdadeira, é forte como o fogo, não se curva ao poder nem aceita acomodação.

Ruy Guerra é feito dessa matéria.

Nascido em Lourenço Marques (hoje Maputo), Moçambique, em 1931, e tornado brasileiro por escolha e insurgência, forjou uma obra que atravessa fronteiras (geográficas, estéticas, simbólicas), movendo-se entre continentes, gêneros e linguagens, com a câmera na mão e a palavra no pulso. Poeta da contradição, cineasta da inquietação, artífice da linguagem, Guerra não é apenas um contador de histórias. Ele desestabiliza as formas, desloca as certezas e desafia os limites do cinema convencional, arquitetando abalos telúricos ou vulcânicos, devolvendo à arte sua função incendiária e seu espanto fundamental.

Figura seminal do Cinema Novo, Ruy Guerra abriu caminhos para uma geração de criadores insubmissos, participando da formulação do cinema brasileiro moderno ao lado de Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade, Helena Solberg, entre outros. Seus filmes, como Os Cafajestes (1962), Os Fuzis (1963), e A queda (1978), tomaram parte ativa nas disputas em curso do país, em suas vias reais e imaginárias, aliando a radicalidade formal a um profundo compromisso político e social. É, hoje, um dos últimos remanescentes dessa geração mítica, que não apenas reivindicou um cinema autenticamente nacional, como também multiplicou os gestos de resistência e experimentação no campo da imagem.

É para celebrar esse corpo de obra vasto, profundo e indomável que o homenageamos nesta edição do festival. Serão exibidos três filmes: Os fuzis (1963), A queda (1978) e Mueda, memória e massacre (1979). Todos contarão com comentários de especialistas e com a presença ilustre do próprio cineasta, para um encontro histórico com o público.

Os fuzis, cabe lembrar, é uma das obras mais contundentes do Cinema Novo e um marco do cinema político latino-americano. Com estética dura e realista, e uma linguagem que transita entre documentário e ficção, o filme está inscrito nos debates da “estética da fome”, e constitui, assim como Vidas secas (Nelson Pereira dos Santos, 1963) e Deus e o Diabo na Terra do Sol (Glauber Rocha, 1964), uma tentativa de representar o sertão brasileiro como território de conflito, violência e exploração. Na narrativa, em que um grupo de soldados ocupa um vilarejo assolado pela fome, vêm à tona algumas das tensões fundamentais do país, no cruzamento complexo entre autoridade, fé e revolta.

Em A queda, por sua vez, Guerra revisita personagens de Os Fuzis, agora operários da construção civil em uma metrópole hostil. Codirigido com Nelson Xavier, o filme expande o olhar sobre a opressão, deslocando-a para o ambiente urbano e expondo as contradições do trabalho, da culpa e da sobrevivência nas franjas do progresso, e nas garras da ditadura.

Por fim, Mueda, memória e massacre (1979) reafirma o vínculo de Ruy Guerra com a história de seu país natal. Rodado em Moçambique, logo após a independência, o filme recria de forma documental e teatralizada o massacre de Mueda, um marco da luta contra o colonialismo português. Primeiro longa-metragem do país, é também um gesto de memória, justiça e reconstrução política pela linguagem cinematográfica.

A trajetória de Guerra, feita de cinema, música, literatura e luta, traz também um chamado para o presente: à sensibilidade, à coragem e à insubmissão, impulsos inalienáveis para a continuação das lutas sociais e políticas em nosso país, tão prementes hoje como outrora.

Os ingressos para as sessões podem ser retirados online ou 30 minutos antes na bilheteria do cinema.